Artigo: Preconceito – reflexões sobre responsabilização e cobrança

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Por: Luís Bassoli*

O triste episódio das adolescentes taquaritinguenses que viralizaram nas redes sociais pelas agressões racistas contra um motoboy serviu para mostrar que o problema está perto de todos nós.

É consenso que, no Brasil, o racismo é estrutural, i.é., fruto da nossa incapacidade histórica de enfrentar o tema.

O Escravismo data de 1530, com os negros africanos trazidos, à força, para trabalhar na lavoura, sob um tratamento desumano, que durou 330 anos.

O Brasil foi o último país a abolir a escravatura; a Lei Áurea, na verdade, não libertou os escravizados, mas os excluiu da sociedade, ao não prever nenhuma indenização nem assegurar trabalho remunerado na lavoura.

Esse descaso perdurou pelos tempos, disfarçado pelo mito da Democracia Racial e estimulado pelo ufanismo da ditadura militar.

Somente na Constituição de 1988 o tema é trazido à tona, no art. 3.°, que diz: “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.

Já em 1989, é criada a lei dos crimes de discriminação e preconceito de raça e cor, e, em 2002, no governo Lula, há um enfrentamento ao racismo, com a adoção das cotas raciais e a criação do Ministério de Políticas de Promoção da Igualdade Racial; só em 2012, dez anos depois, é incluído no Código Penal a Injúria Racial.

A eleição de Bolsonaro desmontou o aparato de combate ao racismo – e pior – estimulou os racistas, com declarações como: “Fui num quilombo, o afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas”.

Aqui em Taquaritinga, o racismo nunca foi institucionalmente combatido. Haviam os tradicionais eventos da comunidade negra, nos anos 1960/70, e a criação da Associação Recreativa Cultural João Malaia Maria, em 1999 (declarada de Utilidade Pública Municipal no ano 2000), além das ações pontuais da Câmara Municipal, com homenagens nas Sessões Solenes – em 2014, o Legislativo de Taquaritinga instituiu o sistema de cotas raciais para seus concursos públicos internos; mas o Poder Executivo nada fez!

O caso do vídeo viral nos leva à reflexão de que temos que ter uma posição mais de acolhimento que de julgamento. Como julgar sem ensinar?

Não há como obter um futuro melhor, sem reconhecer o passado e corrigir o presente.

As pessoas brancas – nas quais me incluo – têm que se esforçar em desconstruir o racismo que nos acompanha, abandonar, de uma vez por todas, as piadinhas, termos e insinuações de cunho racista, defender o direito à igualdade racial e ensinar que: “Não basta não ser racista, é necessário ser antirracista”, como apregoa a filósofa norte-americana Ângela Davis, ícone do movimento negro.

Tornar-se antirracista, pois, é um processo, uma conquista que se desenvolve pelo decorrer do tempo, da vontade, e isso inclui uma atuação firme das autoridades municipais.

As garotas devem ser responsabilizadas por suas ações, na mesma medida em que o Poder Público deve ser cobrado por sua inação – nada se aprende sozinho, a raiz do problema é por onde devemos começar.

* Luís Bassoli é advogado e ex-presidente da Câmara Municipal de Taquaritinga (SP).

**Os artigos publicados com assinatura não manifestam a opinião de O Defensor. A publicação corresponde ao propósito de estimular o debate dos problemas municipais, estaduais, nacionais e mundiais e de refletir as distintas tendências do pensamento contemporâneo.

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